Tenho duas amigas que apesar de não terem nada a ver a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, muito menos com advogados (sorte a delas, do contrário suas carreiras estariam seriamente comprometidas!), não perdem o evento realizado pela tal faculdade todos os anos, a tal da Peruada. Trata-se de um evento tradicional, que ocorre todo ano em meados do segundo semestre. Diz a lenda que de tempos em tempos eram organizados furtos de animais para “homenagear” a figura do ladrão, tido como o grande inspirador do estudo do Direito. Eita povo doido!
A trilha sonora do evento é marcada pelo axé e figurino composto de fantasias das mais variadas. Ouvi dizer que nome da festa é uma comparação com o hábito caboclo de dar pinga aos perus, deixando-os tontos antes de sacrificá-los. Sugestivo, não?
O trajeto das amigas começou pelas avenida São Luiz, passando pelo viaduto 9 de Julho, rua Maria Paula, viaduto Brigadeiro Luis Antônio, rua Cristóvão Colombo, largo São Francisco, rua Libero Badaró, viaduto do Chá, praça Ramos e rua Conselheiro Crispiniano. A parada final ocorreu no local de origem. A cada passo elas encontravam conhecidos, uns amigos, uns não-amigos, alguns conhecidos, de tudo um pouco, e de maneira quase natural, artificialmente alterada por goles de qualquer drink barato, os cumprimentos se davam com french kiss, ou selinho.
Bondade baixou no coração das mulheres. Isso especialmente ao encontrar um amigo muito fofo, sabe aqueles tão fofos que elas nunca pegariam na vida? Pois é. O rapazinho usava uma fantasia toda meiga, de menininho, disseram que parecia ter 13 anos, e ainda era seu seu aniversário. Por conta disso queria um beijo das meninas a qualquer custo.
As duas, como mulheres bem resolvidas, presentearam o garoto para sua imensa euforia. Como sempre acontece, você dá a mão e infeliz puxa o braço, o rapazinho queria ainda ter o privilégio do beijo à trois, aquele bonito a três! Só ele deveria querer, não é mesmo minha gente?
Deus do céu! O presente foi então dado ao pobre coitado, afinal minhas amigas estavam sem qualquer valor de mercado naquele dia!
Foi aí que coisa começou a só piorar, e assim, para ajudar foram à procura de mais um drink. Não entendi como nem porque, mas ao comprar um vinho chapinha de um ´ambulante´, as duas, de alguma forma, apareceram duas garrafas nas mãos! Um milagre? Deve ser a lendária multiplicação do vinho!
Ficaram surpresas e assanhadas ao ver o assédio da molecada, que queria trocar beijo por vinho! Escambo em plena festa, é isso mesmo?
Aí iniciaram mais um tumulto na fexta, e vinho vai, vinho vem…Disseram que as garrafas renderam e muito. Até Jesus encontraram no meio da rua. Minha amiga nada boba acabou por ser quase milagrosamente abençoada pelo filho de Deus. Do céu caiu direto ao inferno, onde se enturmou com Cazuza (mas sem ideologias), Robin Hood (dando dos ricos para o pobres), Salva-Vidas (que não salvava nem a si mesmo), Mendigo, Enfermeiro (sem dor), Wally (aonde?), afêeeeee… foi de tudo! Perderam de fato qualquer dignidade.
Aquilo estava mais para o caminho de Santiago de Compostela, mas sem esperança de um digno fim.
Por fim acabaram numa praça qualquer do centro, sujas, descabeladas, sem um tostão furado, onde rolaria a bendita balada after, em princípio restrita aos alunos da faculdade. Elas não se lembram como, mas deram um jeitinho à la brasileno e acabaram na tal festa, diferente não poderia ser.
Logo na entrada deram de cara com uma abundância de copos de qualquer vodka barata com qualquer mistura colorida. Dançaram mais um pouco, e beberam mais ainda. E finalmente após 15 horas de festa na rua, já nem mais sabiam seus próprios nomes, e decidiram ir embora.
Na curva final da saída do evento uma das meninas conheceu um mocinho, do tipo aonde está Wally, sabe? Bonito, olhos claros, sorriso maroto! Tinha ainda a outra amiga que, de alguma maneira, ao saírem os três da festa, acabou por conversar um outro mocinho, que se encontrava sentado na praça. E papo vai, papo vem, viram que ali tinha futuro. Aquilo parecia um fim de noite feliz para ambas. Subindo a pé a Rua da Consolação madrugada afora, as amigas se perderam. Isso se deu pois uma delas, ao atravessar a avenida em sentido Praça Roosevelt, em suas havaianas imundas, tomou um bonito tombo, de joelho, e teve que assim sentar um pouco para se recompor. Enquanto isso, a outra desapareceu meio as névoas do centro. Sem ter idéia do paradeiro da amiga, após perder o celular, estar sem dinheiro, achou melhor aproveitar o fim da noite com o mocinho que por ali perto habitava. Imaginou que sua amiga provavelmente estaria fazendo a mesma coisa. Ao chegar no apartamento do mocinho, a mulher percebeu que de fato estava numa espécie de after after party, com direito amigos, familiares, mais drinks e ainda cigarrinho de artista! Uma loucura. Acordou horas depois, algo como meio-dia. Ao abrir a bolsa se lembrou de tudo que havia perdido na noite passada, celular, dinheiro, cigarro… e ainda a chave do carro da mamãe? Ah?? Não poderia ter perdido algo tão importante. Num flash de segundos lembrou-se que a chave havia ficado com a outra amiga, e se Deus quisesse, e ele havia de querer, estaria segura. Nesse caso, aonde estaria a amiga? Lembrou-se que haviam se perdido nas ruas da madrugada. Só então ficou preocupada, entretanto o fato da amiga estar acompanhada a deixou mais aliviada. Mas o que ela faria, como iria embora? Para quem eu ligaria? Sem chave, sem dinheiro do busão, sem comunicação! Ficou em pânico!
O mocinho então tentou acalmá-la nesse momento de aflição, e de alguma forma, lembrou que tinha um amigo que conhecia um outro cara que parecia ser o mocinho com quem minha amiga estaria. Ligaram então para os rapazes, e depois de uns 40 minutos finalmente conseguiu contato com minha amiga, que estava na casa do respectivo mocinho, que por sinal e coincidência era na rua ao lado. Isso sim foi uma benção! Em pouco tempo se encontraram em plena Rua Caio Prado, as duas, sujas não sei do quê, pés imundos de havaianas, totalmente desfiguradas! Só tinham moedas suficiente para um maço de cigarro, e assim foi. De alguma forma teriam que chegar à Barra Funda para pegar o carro da mamãe (por que deixaram o carro lá?) para então chegar em casa. Tiveram a brilhante idéia de passar no chopperia do pai da amiga, que fica ali mesmo no centro, para conseguir algum trocado e assim sair daquela lama. Após uma caminhada chegaram na chopperia em condições físicas totalmente precárias, onde foram recebidas com surpresa pelo pai da amiga, que de cara percebeu os estado das mulheres. Ele, ao contrário do imaginado, nada disse, só começou a rir e aí disse:
– Garçon, vê dois chopes para as meninas, elas estão precisando!